Era a neta primogênita na família paterna. Família humilde (e ignorante) do interior de Minas Gerais. Muitas expectativas com o nascimento da menina, e muitos planos já decididos para o futuro dela. Se tivessem olhado direitinho, veriam desde cedo que a ovelhinha era negra. Mas não olharam. Não perceberam, que de nada adiantaria empurrar aquela pequena mula, pois ela não se moveria. A criança precoce, tinha um comportamento inaceitável para aquela família tão tradicional. E pra acabar de completar de vez, os outro 50% do DNA da pequena, eram de origem baiana. Pronto, aí é que deu ! Aos oito anos, depois de brigas infinitas, tais como querer ter um lugar à mesa (coisa de adulto, crianças só no chão da cozinha) e não aceitar fazer a catequese obrigada (heresia máxima), abandonou o lado paterno da família. Cresceu não identificando semelhança alguma com seus parentes. Aos trinta e dois anos, analisando melhor suas características gênicas, percebe que tem um hábito de seu avô. Caminhar. O velhinho acordava sempre de madrugada e se aprontava, pendurava seu embornal e ia trabalhar a pé. Saia da zona sul e ia até o centro. São Paulo é grande.
Velho duro, nas emoções, nos padrões morais, não conseguiu educar bem os filhos. Sofreu com isso.
A pequena lembra de duas cenas bonitas com seu avô: lembra-se dele nos fins de tarde a observá-la aprendendo andar de bicicleta, e aos quinze anos ele enviou-a uma caixinha de música. Homem duro e honesto. Teve derrame, durante anos resistiu a dor, a imobilidade e ao desapego daqueles que o cercaram. Um dia, desistiu.
A última vez que se viram, neta e avô, foi na rua, numa tarde, ela passeava com um priminho ainda bebê. Ela pediu a benção, de ínicio ele não a reconheceu, depois perguntou se o bebê era dela, ela explicou que não, sem assunto despediram-se e nunca mais se viram.
Pois é, ele morreu dois dias depois do meu aniversário. Não chorei sua morte, guardo apenas lembranças boas, e hoje ao caminhar da zona oeste até a zona sul, me reconheci nele. Acho que pra nós, isso basta.
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