17 fevereiro 2014
A Beleza
Olho lambedor. Olho viciado. Olho que de tudo quer saber do gosto e do cheiro. Olho desavergonhado, maleducado, que penetra detalhes, invade entranhas... Olho sertanejo.
"Se eu tenho olho, é pra reparar" já dizia Zé Maria, o avô...
Ela olhava mesmo, sem dó e com coragem. E desfrutava desse gozo de prazer.
O gosto do feio e o gosto do bonito sem nem sempre saber dizer qual era qual. Olhava com grandeza.
Olhava no espelho e queria ser bela, contudo se só pudesse fazer um pedido, preferiria ser forte... Ser forte era mais importante! Não negava a raça.
Ser bonita lá tinha pouca valia, servia pra quê, pra arranjar um marido, e depois ? Ser forte nem de marido precisava, dava conta da vida sozinha, sem tem ninguém pra botar cabresto. Não fora feita pra aceitar arreio.
De começo só usava roupa clara, era mesmo pra não chamar atenção, mas tinha o riso frouxo, gostava de gracejar e nem dava cinco minutos de relógio e já estava no meio da roda. Aquela mulher só faltava ter bigode, sua Tia Zilda tinha, e todos sabem: Mulher de bigode nem o Diabo pode !!!
Com o tempo o olho foi desgostando e exigindo mudança. Olho de voz grossa foi logo pedindo: Eu quero é cor !!! O resto do corpo entendeu tudinho. E acatou. E então se sucedeu algo grandioso, o surgimento da IDENTIDADE.
Guimarães Rosa disse:" O sertão está em qualquer parte, o sertão está dentro da gente. "
Era isso, aquele olho sertanejo, olho caatingueiro teve o asfalto como berço mas não negara sua raça. Aquele olho ensinou para aquele corpo o que era a SUA beleza. Aquele olho arredou a cortina e deixou a luz entrar naquela alma.
Aquele olhar, preguiçoso e bolinador, contou que não existe quando nem onde, o importante é ser.
Olho de sapo, olho de boi, olho de peixe, olho de cachorro pidão, olho MEU.
Olho EU !!!
Olho terrível ! Olho que vê até o que ainda nem existe...
Olhar grandioso. Agora eu sei onde está a beleza.
Ariano Suassuna diz: “ A beleza da zona da mata é ligada ao gracioso; a beleza do sertão é ligada ao grandioso. O sertão é grandioso e terrível em certos momentos, o que dá à beleza dele uma conotação muito diferente, muito estranha mas muito forte.”
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