28 maio 2004


Broken Heart

Tenho um coração de cristal, daqueles fininhos que dão medo de quebrar.Mas insisto em expô-lo às intempéries. Tenho uma alma diamante, inconformada, feminina. O diamante que tudo corta, tatua o cristal. Trago minhas portas abertas, para aquele que chega se sentir bem vindo e que aquele que se vai não se sinta preso. E desfilam em minhas salas pessoas de todos os tipos. Desfrutam dos meus sabores e calores, e pintam nas paredes da minha memória, desenhos coloridos que dão vida à minha história. Tem aqueles que vieram pra ficar e outros que estão só visita, mas me entrego a todos,permitindo-me experimentar de todas suas interações. Alguns não gostaram da arquitetura, derrubaram paredes inteiras, outros construiram abrigos. No último mês houve um que entrou oferecendo seus préstimos, o recebi com rendas e louças, bebemos chá e conversamos, por muitas horas de um não-relógio.Trouxe mentiras para sobremesa. Provei seu sabor amargo. Ainda tenho na língua a sensação incômoda. Passei tempo até digerir.
Fui visitar o jardim. Abundância de flores novas. Latente pulsação de vida. Senti perfumes, questionei espinhos. Desafiando o verde: Mandacaru. Música da terra onde o sol chega primeiro, traz na sua carne a água mais fresca e quem vê sua flor, seduzido será. Mas tem espinhos que cegam, obrigando o olhar para dentro como o Alexandre de Graciliano Ramos. Me feri e vi sangrar também uma fada com cores de Espanha.Ouvi um estalo fininho, daqueles em que se teima em acreditar, olhei meu cristal. Perdeu uma parte. Do ferimento do espinho, apontava uma gota de sangue, não hesitei, levei o corte a boca, e na minha língua alarmada o sabor da sobremesa amarga dos homens.

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