09 janeiro 2006

O Tempo



Perdi a hora de nascer, e isto marcou de vez a minha personalidade.
Eu estava sentada como quem espera a hora certa, mas filosofando pra saber mesmo se deveria vir ou não...Penso, penso, penso... O que mais fiz na vida foi pensar.
A história seguiu e a minha incapacidade de acordo com o relógio também... Para complicar ainda mais meu organismo é noturno.
Se todos esses detalhes ficassem presos apenas ao plano físico me daria por satisfeita, mas me acompanha a neurose do atraso, aquela nítida sensação de não alcançar o momento certo.
Nasci em 1970 e tenho lembranças límpidas de fatos que ocorreram quando eu ainda nem era um espermatozóide. Aos oito anos de idade tinha discussões homéricas sobre o momento político com um primo que veio se esconder das garras da ditadura na casa dos meus avós. Eu sempre fui improvável.
Ou muito à frente ou bem lá atrás, mas nunca no momento certo.
Uma confusão de detalhes. Um jeito estranho... Insuportavelmente madura aos seis anos, e quase uma adolescente tresloucada aos 35.
Uma vontade imensa de deletar diversos capítulos, ajustar, encaixar na cronologia.
Hoje assisti "Brilho Eterno de uma mente sem lembranças" e tive inveja, muita inveja.
O único momento em que senti a sensação de estar no lugar certo na hora certa, foi exatamente o ínicio do episódio que tempos depois marcou a maior dor que posso me lembrar.
Numa calçada, numa noite de terça-feira, num mês de março, uma visão. Por uma fração de segundos, como no cinema, tudo ao meu redor desapareceu, e eu consegui enxergar o deslocamento do espaço-tempo materializando diante dos meus olhos. E foi tão imenso, e tão poderoso, que quase podia ser mensurado cientificamente: naquela exata fração de segundo minha vida mudou.
E se eu tivesse o poder de deletar dados da minha memória, seria esse o ponto.
É claro que tem toda aquela conversa de que tudo é válido como aprendizado, que isto molda nossa personalidade, etc,etc,etc... Eu não ligaria a mínima de não ser hoje quem eu sou, de ser mais fraca por não ter sobrevivido a isso, ou qualquer argumento que possam me esfregar nas fuças. Foda-se. Eu apagaria. O bom, o belo, o desenvolvimento ou o cassete a quatro, eu estou certa de que chegaria por um caminho menos abrasivo.
Adoraria beber uns goles de um limpa-tudo-desengordurante que fizesse uma faxina nas minhas lembranças. Um raio-laser-limpador-de-tatuagens-mentais.
Seguiria minha vida feliz, desorientada, achando engraçado o tempo não se conectar nunca na minha existência.
Tomara que eu viva até o dia mágico em que a tecnologia seja capaz de tamanha maravilha. Pelo menos não levarei travado na minha próxima encarnação, esse gosto amargo na boca de karma mal resolvido com pistas de reencontro.
Saravá !!!
Deito minha cabeça na escadaria do Bonfim pra que todas as baianas lavem com alfazema essa ziquizira impregnada na minha alma numa noite de verão.
E como diria Débora : Axé Odara !!!

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